Fiquei sabendo da Mizuno Uphill Marathon ainda em agosto, quando o Paulinho Lacerda me contou que o Diego o havia indicado para correr uma maratona em subida, no final do ano. Ele não sabia muitos detalhes e coisa e tal, mas em outubro começou a pipocar a divulgação e na hora pesquei que era essa a prova que o Paulinho havia mencionado.
Lembro que no dia do treino do Itaquerão havia também um evento Mizuno na USP, ao mesmo tempo em que banners eram espalhados por lá. Só que naquela hora eu respirava o Half Misión e na real, achava que o negócio ia ser reservado só para monstros como o Paulinho Lacerda.
Aí o tempo foi passando e fui vendo os amigos serem chamados (Marcel, Herivelto, Frotinha, Paulinho Lacerda) e o evento descortinado. Seriam 50 escolhidos, sempre entre corredores amadores de ótima performance, distribuídos em vários lugares do país. Alguns jornalistas das corridas e experimentados em maratona também tinham sido chamados, como o Serginho Rocha, a Yara Achôa, o Iúri Totti, o Zé Lúcio Cardim e o Harry. Depois descobri que o Serginho Xavier tinha sido chamado também.
Confesso, tava louco de vontade de ir, mas os escolhidos já tinham sido escolhidos e eu não tava na lista. Eu acompanhava o treino do pessoal, ficava sabendo das últimas e torcia como um louco pro Paulinho levar, mas tinha gente forte no pedaço, como o Carlos Kawasaki e o Jacques. Em compensação, havia um pessoal até mais lento do que eu e fiquei meio mordido: acho daria pra eu ir...
A vida segue, as desistências acontecem por "n" motivos, as vagas reservas se abrem, e começa a correria para ver quem substitui. E então, numa terça-feira onde eu havia até sacaneado o Herivelto, falando que ele teria que fazer mil rampas da Bienal, uns recados no celular e o contato com a Rapha, da X3M, inclusive com brincadeirinha combinada com o Frota sobre eu ter que escolher entre a Mizuno Uphill ou a Mont Blanc. Escolhi os dois, oras!! Eu tava dentro!! (Depois descobri pelo Harry que eu estava bem cotado dentro da Mizuno... bom, né?)
O conceito
Infelizmente eu não poderia ir ao evento da Mizuno no sábado porque já tava tudo certo para Búzios. O fato de o Marcel e o Frota irem também para Búzios me deixou menos apreensivo. A própria Rapha me avisou que um corredor chamado Leonardo - só o cara que venceu a prova - estaria lá também, além de outras ausências por outros motivos. De qualquer forma, lá mesmo de Búzios conversei com o Heri e ele me contou tudo. Inclusive o kit recheadíssimo, cheio de produtos.
O conceito da prova era fazer uma maratona em asfalto, fugindo das trails, mas com um grau de dificuldade comparável. E acharam isso na Serra do Rio do Rastro, com uma ascenção de mais de 1000 metros verticais. Nenhuma prova no Brasil tinha essas características. Algumas subiam muito, mas eram mais curtas, outras subiam até mais, mas eram trail. Além disso, a Serra do Rio do Rastro, na serra catarinense, era um lugar paradisíaco, lindo e a estrada em si era um espetáculo. Tudo perfeito.
E tudo isso foi excelente, deu uma chacoalhada no mercado das corridas, a Mizuno foi falada, debatida e comentada. Será tão difícil assim? Os escolhidos a dedo são capazes? E são bons mesmo? Será que todos vão completar?
Infelizmente a época do ano em que o evento se deu não era muito favorável para muita gente. A Mizuno Uphill não concorreu em datas com nenhuma prova importante (apenas um triathlon em Floripa), mas por ser no final do ano, pegou muita gente meio estafada ou lesionada da temporada inteira, gente que havia feito maratona há pouco, e algumas desistências devem ter ocorrido por isso. Eu agradeço, porque entrei numa dessas. E quem acabou aceitando, tava lá, de corpo, alma e sangue nos olhos!!
O evento
Pelo kit, deu pra perceber que o evento seria caprichado. E foi. Para os paulistas, o cronograma envolvia um motorista particular para buscar cada corredor em casa e levar até um ponto de encontro onde um ônibus faria o transfer até o aeroporto de Viracopos. Em Viracopos encontramos o pessoal do RJ, que pegou o mesmo vôo até Criciúma, onde ficaríamos hospedados na primeira noite, por ser a cidade com aeroporto mais próxima da largada, em Treviso. Em Criciúma também encontramos os demais corredores gaúchos, paranaenses e catarinenses.
Na cama de cada um, a camiseta da prova, o nome de peito (não éramos um número!) com uma idéia sensacional, o gráfico de altimetria de ponta-cabeça, para nós consultarmos durante a prova. Até dos breguetinhos de fixar número da Mizuno eu gostei! Rolou uma apresentação com o próprio Bernardo da X3M e o prceiro Cleiton Conservani, da série Planeta Extremo, que passou no Fantástico e no Esporte Espetacular. Rolou um monte de depoimentos de familiares e um chororô emocionado danado. Galera motivada ao máximo! Desafio dado é desafio cumprido.
Primeiro desafio foi acordar 4 da madruga para o café, check-out e busão até Treviso, na largada. Todo mundo tenso, meio com sono, meio acordado demais. Chegamos lá, tudo nublado, chuvinha, enfim, tudo ótimo para correr e péssimo para fotografar o evento.
Mas o pórtico tava lá, certinho, banheiro químico, quase ninguém na rua naquele horário e naquele clima, é verdade e a gente fazendo a maior festa. Rolou Highway to Hell na largada e todo mundo pulava. E no meio do refrão... fuóóóóóó! Buzina, largada, vamo-nos, pilhadaços.
Abaixo eu falo da prova. Como o tema é evento, falemos de evento. O que vale dizer é que no meio da prova o Rogério Barenco, da Mizuno chegou a me mostrar a minha foto já publicada no Facebook e que a chegada foi uma festa. O local da chegada ficava pertinho do Resort onde passaríamos a noite pós-prova e uma van levou a gente rapidinho pra lá.
E nada melhor do que chegar lá e tomar um banho rápido para tirar o barro e o suor, e poder entrar numa piscina de água quentinha, onde nos serviram frios, champanhe para alguns e relaxamos um pouco. Depois, banho tomado no chalé e um almoção sensacional, seguido de degustação de queijos e vinhos, massagem, jacuzzi ligada para quem se interessasse e muita interação, muita conversa. Foi demais.
A premiação foi no jantar, num Galpão Crioulo onde teve canja, churrasco, apresentação de danças típicas, mais vinho e mais festa. Todo mundo tava meio baqueado por causa da prova e do acordar cedo, além disso, no dia seguinte teríamos que partir bem cedo, então a festa não se alongou muito até altas horas, mas trocamos quantidade por qualidade e isso foi feito muito bem!
A prova
Ok, vamos ao que interessa. A prova. 42,195m dos quais os primeiros 25km em um sobe-e-desce exigente, mas "normal" e os 17 km finais na Serra do Rio do Rastro, subindo até dizer chega. A prova saía de 148m ao nível do mar e terminava a 1.418m. 2.425m de ascenção e 1.160m de descenso. E quanto mais se sobe, mais íngreme ficava. Coisa pra louco. Mais ainda, tinha corte no km 20 e tempo-limite de 06 horas.
Apesar disso, não tava com medo. Minhas lesões na bunda e no tendão de aquiles tinham quase zerado e os treinos que fiz em subida me deixaram otimista. Tava só preocupado com a falta de volume, mas tinha uma base firme de tantos treinos pro Half Misión. A subida poderia ser dura, mas era em asfalto, sem o terreno para atrapalhar, e além disso eu tava acostumado a encarar subidas piores. Os tempos-limites também não parecia ser problema, um ritmo controlado era mais do que suficiente para passar pelo corte e não achava que ia ter problema para cumprir a prova em 06 horas. Se em Bombinhas, em uma forma física pior, tinha feito em 06h05, porque no asfalto faria mais?
Combinei com o Frota de fazermos a prova juntos. E seguimos à risca esse mandamento. Saímos relativamente fortes, mas é óbvio que o monte de feras na prova dispararam lá na frente. Depois soube que o Paulinho puxou um ritmo violento nos primeiros 25km, que fez o Leo mudar a estratégia para não deixar ele disparar demais. Na subida, o carioquinha, que fez a mesma edição do CCC que eu (só que terminou em 14 horas, enquanto eu desistia, faltando 20km pro final, com 15 horas!!), fez prevalecer sua especialidade e ganhou a prova com 3h31, deixando o Paulinho em 2º, com 3h43, o Carlos Kawasaki em 3º, e o Jacques em 4º. A 5ª colocada foi a 1ª mulher, a Mika, atleta de biathlon na neve, melhor tempo brasileiro na história da Two Oceans, uma fera, com 3h48. 2º feminino foi da Marina (mesma história, foi melhor no plano, mas na serra a Mika voou) e o 3º, da Eloísa. A Paula Narvaez bateu 4h10 junto com o Marcel e a 5º foi a Dani Santarosa, bicampeã da TTT, maratonista de 3h03, e especialista e rapidíssima no plano, mas que sofreu bastante na subida.
Os resultados mostram que por mais que você seja rápido, a subida acabava sendo extremamente seletiva. E seria isso que me daria uma boa colocação, já que sou melhor e mais adaptado em subidas longas, não é?
Mas não foi bem isso o que ocorreu. Passamos os 25km com 2h23, à frente de muita gente boa. E eu tava descansado, bem pra caramba. Só que o Frota não. Ele que começou a prova reclamando de dor no quadríceps e passou a pastar com bolhas, na subida começou a ser torturado por dores na região posterior da coxa. Tava quase gabaritando as dores possíveis da cintura pra baixo. E percebi que ele realmente não tava bem, com risco de não terminar a prova, coisa que eu obviamente não iria deixar. Não segui sozinho, fiquei com ele diminuindo o ritmo inicialmente. Depois vieram as andadas intercaladas com corridas (eu trotava do lado, para não perder aquecimento, já que tava ficando frio). A coisa foi ficando feia pro lado dele, que começou a sentir as costas também.
Várias pessoas passaram pela gente. Paciência, o negócio passou a ser chegar com o Frota. O problema é que o sofrimento físico o fazia sofrer mentalmente também, então eu falava umas merdas, incentivava e coisa e tal. Até que mais ou menos no 35ºkm, o Sérgio Crespo e o Robson, do Branca, chegaram na gente. O Robson era um maratonista bem melhor que nós, mas havíamos passado por ele no 9º km porque ele vinha com dores na panturrilha. Dali até mais ou menos o 38º km seguimos juntos, o Sérgio puxando o Robson e eu puxando o Frota. O Frota tava tão mal que não aguentou o ritmo de caminhada deles e ficamos para trás. A partir do 39ºkm, até baseando-me no apoio físico que o Sérgio dava ao Robson, empurrando com as mãos, eu também passei a fazer isso no Frota.
Porra, tava perto demais para desistir, mas era o trecho mais inclinado e o Frota mal conseguia andar. Passei o braço dele pelo meu ombro e ele subiu me usando de muleta. Ok, ele poderia ser mais leve, poderia ser uma mulher perfumada, mas era o que tínhamos pro momento. Até que, finalmente, a subida acabou. No plano, o Frota conseguiu desempenar as costas, aprumar e caminhar sem a Nishi-muleta. E nessa toada terminamos a prova com longuíssimas 5h23, 3h23 de subida, de longe o pior resultado na subida!! Segundo a planilha Jack Daniel´s do próprio Frota, pela nossa marca no 25ºkm, era pra passarmos com 4h30, 4h40, no máximo. Essa contusão dele gerou, no mínimo, uns 40 minutos a mais de sofrimento...
Nessa turma do fundão a coisa foi dramática. Não só pro Robson e o Sérgio. Não só para o Frota e eu. Mas também para o Iúri e a Yara, os últimos. Quando cheguei, me contaram que eles haviam desistido. Decepção, lógico. Contudo, uns 2 minutos depois alguém berra dizendo que eles tinham voltado pra prova!! E algum tempo depois o Iúri aparece, todo mundo fazendo festa e ele fazendo não com o dedo? Sim, porque ele ia esperar, a Yara chegar, um minuto depois, para cruzarem juntos a linha de chegada (com todo mundo que tava lá!) Sensacional, emocionante e muito, muito legal.
A marca da Mizuno Uphill foi o companheirismo. Mesmo quem disputou posição, disputou com um companheiro. Muitas pessoas cruzaram a linha de chegada juntos, um apoiando o outro naquele inferno de subida, neblina e... hortênsias, nas bordas da estrada que serpenteava a serra encoberta.
A Mizuno Uphill foi perfeita? Não, mas chegou perto. Algumas idéias foram geniais (como o nome de peito com a altimetria invertida), o trabalho de isolamento da pista na serra foi ótimo, os motoqueiros do staff foram dez, e o pré e pós-prova foram sensacionais, marcante mesmo. Talvez devesse haver mais hidratação, acho que a cada 5 km foi excelente para essa prova, nas condições climáticas de chuva e frio, mas se fosse calor poderíamos ter problemas. Houve uma promessa de gel em todos os postos e isso não ocorreu. Eu, na verdade, consumi um único gel na prova toda (dos dois que levei), mas estava pensando em me abastecer dos géis que inexistiram. Mas é inegável que os organizadores se esforçaram ao máximo para tudo acontecer bem.
E a seleção dos atletas foi muito boa, já que foram eleitos 50 guerreiros, independentemente do nível. A maioria, com um nível amador muito bom, mas mesmo os menos velozes cumpriram sua parte com extrema determinação. Além disso, esse pessoal todo se deu muito bem durante o evento todo, amizades formadas, saudade genuínas, e muitas lembranças felizes. Isso envolve também o pessoal da organização, o Brunão, a Rapha, a Jaque, o Rogério, o Edu, a Mari, o Bernardo, e também a imprensa, a Bruna Marcondes, a Carla Gomes, o Alexandre Koda, Erich Beting, enfim, a galera toda. A escolha do local não poderia ser melhor, o desafio esteve à altura da grandeza do trabalho de marketing da Mizuno e tudo acabou sendo um sucesso. Hoje mesmo, num treino tranquilo no Ibirapuera, algumas pessoas já vieram falar comigo e conversar a respeito da prova.
2 comentários:
Bela história a de vcs dois no Uphill Marathon! Parabéns, isso vale mais que qualquer pódio ou PB.
Bela narrativa. Muito legal o companheirismo nessa pauleira de prova... Da próxima vez que for ao Brasil pra correr, vou contratar os teus serviços de reboqueitor-tabajara. Nunca se sabe!
Abs, Shigueo
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