Chegou. Salta, 50k, o objetivo do semestre. Uma montanhona pra subir e descer, 2.500m de altitude, fora o terreno variado e a distância de 50 km. A altimetria parecia um bilau. Estávamos ali mesmo para nos fod...
Chegada no Aeroporto e já deu pra sacar um monte de gente que tava lá para a prova. Chegamos na quinta à noite e foi legal. Salta, apesar de ser uma cidade relativamente pequena, é a capital da província e uma das maiores da região. E é onde se concentra uma parcela bem significativa do turismo local, para as excursões aos pontos turísticos próximos. As horas passavam e o movimento aumentava nas ruas do simpático centro da cidade, ao invés de diminuir. Graças à mega-siesta que eles adotaram e que resultou em um fuso horário próprio. As lojas abrem às 10h, fecham meio-dia, reabrem só às 17h00 e ficam abertas até as 22h00. Pra quem tava com medo de não encontrar nada aberto, o difícil foi escolher um lugar pra jantar, tantas as opções...
Sexta foi um dia de sossego, de se preparar para a prova, de passeios leves (no ônibus turístico da cidade), de retirar o kit e de... perder o congresso técnico! No site informava-se o congresso às 21h00. Chegamos às 20h30, puta muvuca (muita gente pros 80k, cujo congresso era às 19h00!) e quando deu uma acalmada, entramos no salão para esperar a charla técnica que... tinha acabado! Pois é, anteciparam o negócio e os marmitões aqui entraram na hora que acabou.
No dia seguinte, os ônibus sairiam de uma esquina movimentada para nos levar até a largada, no Batalhão de Engenharia do Exército. Largada às 08h30, chegamos com folga na tal da esquina, eram 07h50. Contudo, lá os caras nos informaram que a largada seria às 08h00! Desespero! Taxi, taxi! Chegamos lá esbaforidos e... tudo calmo. Mais um trote nos marmitões. A largada seria às 08h30 mesmo... bom, pelo menos deu tempo de curtir o pré-prova, tirar fotos, se aprontar com calma e até conhecer rapidamente o outro corredor brasileiro da prova (os estrangeiros poderiam estampar a bandeira do país na camiseta da prova, se quisessem), assim como a única brasileira inscrita, Claudia Fontenelle, que por sinal conhecia o Leal e o Brunetti (a Comunidade Cruce de Los Andes já não sabe o que é fronteira faz tempo)
De manhã tava uma friaca da porra, mas tudo indicava que ia esquentar. Pelo menos foi o que dera pra sentir no dia anterior. De fato, largamos e menos de 3km depois eu já tava arrancando os manguitos. Por enquanto era o único incômodo. Saímos devagar, 6min/km, estradinha de terra plana, ligando o Batalhão de Engenharia às encrencas. Depois de uns 5km mais ou menos, entramos numa trilhazinha e já saquei o bastão. Alarme falso, a subida até era puxadinha, mas curta e logo saiu num planalto. Estávamos correndo em direção às montanhas. Ao contrário do que esperava, não estávamos num clima desértico, parecia os pampas gaúchos, um mega pasto a perder de vista. Logo o terreno, embora pouco inclinado, deixou de ser amigável. O solo tava todo marcado por pegadas de cavalo, uma buraqueira só, um inferno pra correr ali. O tornozelo torcido em Paranapiacaba doía e o Alê e o Cassiano já estavam bem na minha frente, embora este ainda estivesse no visual.
Posto de parada do 10ºkm, uma descida íngreme e curta (onde perdi tempo por pura bobagem, fiquei atrás de um cara muuuito mais cagão que eu pra descer) e estrada de asfalto. Ela nos levaria até a entrada da subida do Cerro San Lorenzo propriamente dito. Foram uns 5km de asfalto plano onde passei muita gente e mais uns 3km de subida no asfalto, ora leve, ora inclinada. Fui conservador e deixei passar a oportunidade de passar mais gente. Errei, errei, afinal, ia ficar estourado no final mesmo! No 19, o último posto antes da montanha. Depois dali, só no 36. Hora de encher o camel back, comer uma coisinha mais sólida e preparar as perninhas.
Confesso que de início a subida não me impressionou. Menos técnica que em Portugal, ela só não acabava de jeito nenhum. Mas com ritmo eu ia passando um bocado de gente, embora tenha ficado muito tempo preso atrás de pessoas mais lentas em trechos de singletrack não ultrapassável. Deixei de lado muitos cotovelos pra subir reto no barranco, me desgastando mas deixando pra trás um trava-trilha qualquer. E foi indo. 1.700m. 1.800m. 1900m. O Garmin não parava de subir. Alguns quilômetros eu fiz ali em 22 minutos!! Especialmente no final, já tava cansando pra cacete e o negócio rodando. Eu me apoiava inteiro no bastão, em alguns momentos, e chegava a amaldiçoar o fato de não ter levado os dois. Mas na verdade, um bastão só foi muito melhor, muito mais leve.
No topo, começaram as encontas nos abismos. Nada que fosse muito ameaçador, mas local de boas paisagens. Dali se via todo o vale e o tanto que se subiu. Meus ouvidos taparam várias vezes com a mudança de pressão. O sol tava forte e nessas encostas, sem sombra, o bicho pegava. Eu nem percebi direito quando chegou no primeiro topo (eram dois), mas quando começou a descer forte percebi a pegadinha. Alguns metros adiante, uma outra subida curta e forte, pra finalmente chegar no segundo topo. 4h30 de prova, mais ou menos a metade (acho que um pouquinho mais, 26º, 27º km).Ali dividiam os corredores dos 50 e dos 80km. E começava o pau da descida. Minhas pernas tremiam que nem vara verde e eu comecei a descer sempre apoiando o bastão, de medo de cair por causa das pernas moles. Uma bobagem, porque mais pra frente deu pra perceber que só perdi tempo assim.
E desce, desce, desce. Em alguns pontos, uma subidinha pra quebrar o fôlego e um novo desce-desce-desce. Ao contrário do que dizem, pra baixo nem sempre todo santo ajuda. Meu joelho esquerdo doía, meu tornozelo esquerdo doía e já tinha bolha na mão de tanto segurar o stick. Eu não me sentia seguro descendo, cansado daquele jeito e todo mundo que eu passei na subida me passou na descida. Com juros e correção monetária. O cansaço era tanto que eu chegava a caminhar em trechos muito suaves de descida, onde é quase impossível deixar de correr.
O calor tava feio. De repente, um riachinho com água geladíssima. Ahhh... bebi, joguei no corpo, no rosto. Tinha água no camel, mas aquela tava uma delìcia de gelada! Revivi um pouco e recomecei a trotar. Tava todo dolorido, mas dava pra correr levemente, e fui assim até o posto do 36ºkm. Será que o endurox, a água gelada e a coca-cola me convenceriam a continuar. Tava quase desistindo. 7 horas de prova, tinha mais 03 horas para fazer míseros 14km e eu não sabia se conseguiria.
Mas fui. Perdi o menor tempo possível nesse posto justamente pra vontade de desistir não bater. A parada fez bem pra muita gente, mesmo trotando, muita gente me passava. Cãimbras nas coxas, caminhada, a estrada agora era de terra batida, o melhor terreno do mundo pra correr, mas eu não conseguia. Quando veio uma descidinha, finalmente voltei a correr leve. Então, um desvio e o rio de pedras. Um leito seco de rio com todas as pedras do mundo. Impossível correr ali. Impossível caminhar. Uma merda. Agora que eu tinha recomeçado?
Me distraí um pouco conversando com um argentino chamado Alejandro, que me ensinou vários palavrões dirigidos ao corno que inventou de fazer a corrida passar por ali. Chegamos numa ponte, contornamos, subimos uma encosta e encaramos a trilha final. Na altimetria seria a última subida. Fiz caminhando, mal pra burro. Era leve , bem corrível, mas as pernas não respondiam. Então, a salvação. Eu não me lembrava, mas tinha um posto no 44ºkm!! Ma-ra-vi-lha! Gatorade! Água gelada!! E dali em diante o negócio descia de novo, mas numa inclinação fácil. Se o terreno ajudasse, o negócio iria bem.
E foi. Por uns 3km eu consegui voltar a correr. Forte até, uns 5min30/km. Concentrei. Mas num estágio desses, qualquer porcaria te desconcentra. No meu caso foi a vontade de mijar e, logo depois, a travessia de um rio seco, com pedras. Parei de correr de novo, mas tava mais tranquilo, só esperando o final. Ninguém na minha frente, ninguém atrás até que... epa! Canções? Um grupo de uns 7 corredores vinham juntos, aparentemente todos amigos. Deixei-os passar e fui no embalo. Fiquei pra trás, mas arranjei motivação pra correr. No GPS eu devia estar próximo, mas cadê a porra da chegada? A gente não teria que chegar na cidade e ir até o Batalhão? Aí descobri: não! Entramos por trás do Batalhão, e só faltava uma reta de uns 500m. Putz, acabou!! Sprintei e fui. 8h57m42s, pelo menos abaixo das 09 horas.
Tive muito medo de ser um dos últimos, passei uma menina desse grupão no final. Cheguei exausto, os pés doíam, encontrei o Alê que fez uma prova excelente, 60º lugar no geral, 7h36m, e o Cassiano, numa prova fenomenal pra ele, 7h52m, muito próximo do Alê, 84º lugar! Nós temos um ritmo parecido no asfalto, mas na montanha o bicho botou uma hora em mim! Peguei o 158º lugar e acabou não sendo de longe tão ruim como esperava, já que teve gente que demorou mais de 12 horas pra chegar. 253 completantes. Uma medalha demoraaada!
No dia seguinte teve passeio no deserto, com direito a... escalada na montanha, né? O que corredor de montanha faz nas horas vagas? Sobe montanhas...
12 comentários:
Encrenca das boas, Nishi-san. Parabéns por se safar bem dela!
oi, nishi!!!
amei seu relato!
ainda bem que passei pra ler seu post antes de sair pra correr!!! tava com preguiça de sair pra correr 15km no plano, mas depois de ler uma aventura maravilhosa e desgastante como essa, fiquei inspirada pra fazer meu treino;)
prova bem dura essa que você fez, mas inscrível!
fiquei fascinada!
não conhecia essa corrida!
paisagens lindas!
parabéns por essa maravilhosa conquista!
Muito bacana! Parabéns pelo relato e pela prova!
abraço,
Sergio
corredorfeliz.blogspot.com
Kakakakaka! É assim mesmo... nas horas vagas, pra que descansar?
De novo, parabéns! Viu... treinar lá no reflorestamento dá resultado!
Parabéns!!! Show de prova...Que venha muitas outras!!!
Que show!!! Parabéns!!! Que venha muitos outros desafios!!!
Comparada com essa, Almourol até deve ter sido fácil.
Runabraços
Caraca, sofrimento hein!
Se vc que faz tiro de 1km abaixo 4min e me deixou comendo poeira em Paranapiacaba (mesmo com tornozelo prejudicado) penou, quem sou eu. Curto prova em montanha mas tô vendo que preciso de muito mais lastro!
De qq forma, parabéns. Ótimo relato e ótimas fotos! Medalha suada e merecida!
PS: Conseguiu achar uma moitinha pra se aliviar ou aumentou o volume do rio local? kkk
Nishi, dá para receber avisos por email de atualizações no seu blog? Pq dos feeds eu já desisti, que acumulei tanto que tbm não consigo ler hahahaha
Enfim, quando consigo passo aí e leio vários de uma vez, o que tbm é legal :-) Claro que parei nesse post, apesar de mais antiguinho adorei seu relato, nada como colega de 50k do North Face, mesmo que em provas diferentes!
Parabéns! Sabe que eu não tive coragem de levar bastão, achei que ia mais me atrapalhar que ajudar e na verdade nao senti falta não.
Qual a próxima NF?? bjbj
Natzen, atendendo a pedidos, tá aí o breguete dos e-mails, em algum lugar. Próxima NF? Bão, como os EUA não me deixam entrar lá (eu nunca tive saco de ir tirar o visto), preciso de alternativas. Tem uma em outubro em Santiago...
Breguete encontrado e assinado(se fosse uma cobra...). Saco pro visto entendo que precisa de muito, mas juro que a prova de san francisco em dezembro vale o dia perdido.
E o Cruce 2012, vai?
Pois é, o Cruce... ai que vontade que dá... bom, o problema em San Francisco não é o dia perdido pro visto, mas encaixar viagem, passagem, afastamento do trampo, treino e esposa... tuuudo isso dá um trampo desgraçado, mas o mais difícil é o último item!!! O comentário também vale pro Cruce, que hoje se encontra entre tratativas com as possíveis duplas e sonhos... fora que tem uma maratona no Atacama em janeiro que eu tô louco pra fazer. Era tudo tão mais fácil quando eu corria 10k...
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